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30 de dez. de 2010

Absurdo: igreja ganha autorização para torturar psicologicamente detentos de Ceresps


Igreja batista patrocina TVs em presídios. Detentos de duas unidades de Belo Horizonte assistem a programas evangélicos 24 horas por dia em aparelhos de LCD. Esta manchete e bigode, respectivamente, foram publicados no jornal Super Notícia desta terça-feira (28) - não com exclusividade, pois vários outros veículos trataram do mesmo assunto. A Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte, patrocina, há quase três meses, 24 horas diárias de programação em 20 televisores do tipo LCD de 32 polegadas nas celas de duas prisões da capital. Para compensar o investimento de cerca de R$ 30 mil, os 276 detentos dos Centros de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresps) São Cristóvão e Centro-Sul são obrigados a assistir, sem interrupção, à programação de uma emissora evangélica. Aquilo que a igreja quer enfiar na cabeça deles.

O governo do Estado confirmou a parceria com os evangélicos, mas informou que a programação também contempla canais católicos - para não dizer que apenas evangélicos estão podendo - como o Rede Vida e Canção Nova, além da estatal Rede Minas e a TV Justiça, que traz noticiário do Poder Judiciário. Documentários, emissoras de clipes musicais como a MTV ou telejornais da Globo ficam de fora.


Sem descanso: à noite, os presos do Ceresp têm autorização apenas para abaixar o volume e diminuir o brilho da TV. Foto: Victor Schwaner. Nitro

Cartas marcadas

Puro jogo de interesse. O governo apóia a ideia da Igreja Batista da Lagoinha que se propõe a oferecer televisores em troca da possibilidade de ensinar sua palavra (vão tentar me corrigir dizendo que a palavra não é deles e, sim, de Deus. Danem-se) ao detentos. O governo do Estado gostou da iniciativa e pegou carona: além dos programas religiosos, emissoras governamentais também poderão ser acessadas.

Os aparelhos de TV são controlados da sala da direção das prisões. Aos detentos fica reservada apenas a liberdade de diminuir o som e a luminosidade da tela, à noite. Apertar o botão "off", só depois de muita negociação e acordo entre os colegas de cela. Os pobres coitados precisarão implorar, clamar por sossego.

O diretor do Ceresp São Cristóvão, o evangélico (há!) Luís Fernando de Souza, diz que depois que passaram a contar com a programação evangélica, "os presos estão mostrando no semblante a tranquilidade em aproveitar a iniciativa cristã". Este senhor é bastante suspeito falar. Eu não duvido que haja preso com semblante calmo por estar forçando a paciência para aturar a imposição ideológica. E ele ainda disse mais: "coloco filmes para eles três vezes por dia. Exibimos títulos como "Em busca da felicidade" e "Homens de honra", que passam mensagens positivas". Estes filmes, aos quais já assisti, tem cunho religioso. Se por acaso algum detento quiser assistir a algum filme que a igreja repudia, não poderá.

O coordenador da Assistência Religiosa do Sistema Prisional do Estado, Reinaldo Domingos Pereira da Costa, admitiu que o domínio do canal evangélico na programação oferecida aos telespectadores sem escolha do Ceresp provocou a adoção de alguma novas medidas: "começamos a perceber que teríamos que podar o horário e fazer uma melhor divisão entre as entidades religiosas", disse. Ou seja: haverá uma divisão entre horários evangélicos e horários católicos. Segundo ele, "a democratização da oferta já entrou em vigor nas unidades que tem as TVs". É o discurso mais imbecil da face da terra. Democratização da oferta? Que democratização? Numa democracia a população pode escolher. Querem que os detentos possam escolher apenas as ideologias que pregam. Absurdo!

Mais vítimas

A Igreja Batista da Lagoinha informou que pretende ampliar a iniciativa e levar a mais unidades prisionais do Estado o conteúdo evangélico da rede dela. O pastor Marcelo Crescêncio, responsável pelo Ministério de Onésimo - que realiza trabalhos com presos -, afirma já ter sido procurado por diretores de outros presídios de Minas para implantar o projeto. Pobres detentos destas outras cadeias que provavelmente são gerenciadas por seguidores destas ou outras religiões e assumem publicamente o plano para acabar com a liberdade de escolha que todo cidadão tem na hora de escolher a que canal assistir.

Dá vontade de perguntar a estes babacas o que eles menos gostam de assistir e, depois, prendê-los diante de uma televisão onde seja exibido apenas este conteúdo que eles repudiam.

Vamos às pontuações - já não estou aguentando:

1 - Imagine você estando preso e sendo obrigado a assitir 24 horas a uma programação que talvez não seja de seu menor interesse.

2 - Seria uma verdadeira tortura, não?

3 - Onde fica a liberdade de escolher em que acreditar?

4 - Onde estão os representantes dos direitos humanos?

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) irá averiguar se a instalação de televisores no Centro de Remanejamento São Cristóvão e Centro-Sul estaria ferindo a Constituição Federal. A entidade quer saber se a direção das unidades prisionais está privilegiando uma determinada emissora de TV com específico cunho religioso. Precisa de mais evidências?

De acordo com o presidente nacional da entidade, Ophir Cavalcante, ninguém pode ser obrigado a acompanhar de maneira ininterrupta pregações de qualquer tipo de religião. Ele explicou que isso vai contra o inciso VI do artigo 5 da Constituição, que determina ser inviolável, a liberdade de consciência e de crença, e assegura o livre exercício dos cultos religiosos. "Se a imposição de programação realmente existir, não tenho dúvidas de que fere a liberdade de credo e religião constitucional, como até mesmo a liberdade de se divertir. Até mesmo pessoas que devem algo à sociedade têm direito a ela. Vamos analisar a situação com cuidado e estudar que medidas podem sr tomadas", disse Cavalcante. Que no Brasil a Justiça tarda, já sabemos. Tomara que, pelo menos, não falhe.

Segundo o promotor Joaquim Miranda, do Centro de Apoio Criminal do Ministério Público Estadual (MPE), desde a instalação dos aparelhos de TV nas unidades prisionais, não foi constatada nenhuma imposição de programação pela direção dos pesídios. No entanto, Miranda disse que, caso se configure constrangimento ilegal ao se priorizar uma determinada programação, o órgão pode tomar alguma medida. "A ideia é passar uma programação religiosa e cultural sem se priorizar determinado canal. Já fiz várias visitas aos locais e os presos demonstram satisfação", ressaltou Miranda. O que será que o senhor Miranda entente por "programação cultural"?

Para esclarecer

Apesar de não gostar de igrejas e suas programações religiosas nos meios de comunicação, não sou contra elas. Minha paciência ferve porque dou asas à imaginação e me coloco no lugar dos encarcerados. Ser obrigado a assistir canal evangélico ou ladainha política 24 horas por dia, trancafiado, sem poder sair da frente da TV, é tortura psicológica e fere os direitos humanos garantidos na Constituição Federal de 1988.

Argumentos insuficientes

Há quem defenda a prática em questão dizendo que se outras entidades civis tomassem a mesma iniciativa, o índice de reincidência nas prisões diminuiria. Concordo, mas pontuo: a igreja tem uma lábia impressionante. Muita gente deixa de fazer coisas erradas por saber que, depois, a consciência embasada nos princípios religiosos poderia pesar. Mas, repito, exibir programação ideológica para pessoas que não podem se defender das mensagens forçadas não é justo!

Os televisores poderiam ser usados para exibição de cursos profissionalizantes e ser um meio de orientação para quando forem soltos. Se o intuito da Igreja Batista da Lagoinha realmente for o de ajudar, seria melhor que os presídios criassem um menu de opções a ser escolhidas pelos presos. Poderia estar em cartaz, por exemplo, o Telecurso 2000. Aposto que igreja ia chiar e ameaçar recolher os aparelhos.

Os fanáticos acreditam que a ressocialização só é possível por meio da divulgação dos princípios cristãos. Novamente discordo e digo mais: o consumo forçado de princípios religiosos é uma imposição torturante. Uma palhaçada.

O Telecurso 2000 ou documentários sobre o mercado de trabalho seriam muito mais instrutivos. O que está acontecendo é inadmissível. O Estado deveria ser processado por não respeitar os direitos do cidadão - papel que os detentos ainda desempenham nas urnas. Impor uma crença é caminhar para o domínio do fanatismo.


4 comentários:

Marina disse...

Então, complicada essa história. Concordo com você, a repetição de qualquer coisa é tortura, a falta de opção também, no fim o que era pra ser bom acaba sendo ruim, se a coisa é mesmo assim tão a ferro e fogo sim. A solução creio seria dar opção, e se a TV foi um presente, bom, sugiram o canal da igreja, proponham alguma aproximação, uma boa conversa pra quem fica tão sozinho já é de muita valia. Enfim, ajudem de outras maneiras também, sabortar assim o "presente" realmente não dá. E não poder desligar pra dormir, putz, eu surtava, mesmo.

É como disse é uma situação complicada, e infelizmente por causa de casos assim todos os outros evangélicos são colocados no mesmo balaio e julgados. Bom tão pouco eu quero julgá-los, nessa atitude eles erraram, fato.

Anônimo disse...

Tortura ou não... Isso é anti-constitucional. O Estado é laico e nada pode ter a ver com religião, portanto não devia e nem podia participar de uma porra dessas.

Unknown disse...

Prezado Ricardo Welbert,

Gostaria de esclarecer a INJUSTA matéria editada
> pela Folha de São Paulo e reeditada pelo Jornal O Tempo,
> sobre nosso trabalho de ressocialização aqui nesta Unidade
> Prisional. Não entendo o porquê das perseguições,já que
> os próprios presos saem daqui satisfeitos com o tratamento
> digno e muitos deles até voltam para agradecer.
>
> A TV JUSTIÇA está sendo transmitida aos presos todos os
> dias e os resultados têm sido excelentes, uma vez que todos
> estão tendo oportunidade de aprender um pouco sobre
> direitos, deveres e cidadania.
> Em cada cela existe uma televisão com as emissoras Rede
> Minas, TV Saúde, TV Justiça, 2 canais religiosos
> visando cumprir o art. 5º inc.VII da Constituição Federal :"é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;"

e agora a TV Educativa.

Os presos podem aumentar e diminuir o volume, ligar e desligar
> o aparelho de TV a qualquer hora que queiram. Os canais são
> controlados dentro da sala da Direção.Fazermos enquetes e os presos participam das escolhas. Exibimos também,
> através de DVD, filmes educativos e que enalteçam a moral,
> virtude, honestidade, falem sobre a família, patriotismo,
> saúde, orientação jurídica, etc...
>
> Graças à parceria firmada, sem ônus paras os cofres
> públicos, entre a Unidade Prisional Ceresp São
> Cristóvão, em Minas Gerais, e a Rede Super de Televisão,
> nasceu o Projeto TV CELA , que disponibilizou televisores
> com finalidade de viabilizar aos presos acesso a filmes
> educativos, que transmitam uma mensagem de vida, que
> enalteçam a moral, a virtude, o caráter, que falem sobre
> honestidade, enfim , que façam bem à psiquê daqueles
> indivíduos que se encontram à disposição do Estado. É
> importante frisar que a única finalidade é a recuperação
> e a preparação para que eles voltem à liberdade um pouco,
> ou quem sabe, muito melhores do que lá entraram.
>
> Não existe discriminação pois o acesso é permitido a
> outros cleros. Existe também uma câmera com um microfone
> para que o Defensor Público, Advogado e demais operadores
> do direito, Padre, Pastor, Psicólogo, Assistente Social,
> profissionais da área de saúde, etc…, falem diretamente
> com os detentos através dos televisores. Através desta
> câmera, os reeducandos têm acesso à palestras sobre
> doenças sexualmente transmissíveis e orientações
> jurídicas por parte da Defensoria Pública. Exibimos
> semanalmente vídeos de cunho educativo) para eles. Não podemos permitir
> canais de televisão que mostrem
> pornografia, filmes violentos, apologia ao crime, e coisas
> desse gênero.
>
> Creio que a responsabilidade de proporcionar oportunidade
> de recuperação para aqueles que cumprem pena privativa de
> liberdade é de todos nos. Espero contar com o valioso que
> sempre nos dispensou. Um grande e fraterno abraço e um excelente Ano Novo, repleto de realizações e
> paz.”
>
> Luís Fernando de Sousa
> Diretor Geral do Ceresp São Cristóvão – MG”
> luisfdesousa@yahoo.com.br

Ricardo Welbert disse...

Luis Fernando,

Obrigado pelo comentário deixado aqui no blog. Como você mesmo citou, formei minhas opiniões sobre o fato ao ler reportagem veiculada pelo jornal "O Tempo" e as publiquei em minha página. O Ceresp São Cristóvão, claro, tem seu direito de resposta garantido. O comentário postado por você está visível para quem acessar o texto. Retribuo os votos de feliz 2011 a você e todos do Ceresp São Cristóvão.