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11 de nov. de 2008

Na internet é tudo igual!

O mais admirável da internet é que tudo posto nos seus circuitos acaba tendo o mesmo valor, seja receita de bolo ou ensaio filosófico… o mais terrível é que tudo acaba tendo a mesma neutralidade moral, seja pregação inspiradora ou pregação racista — ou receita de bomba — já que a linguagem técnica é a mesma e a promiscuidade das mensagens é incontrolável.” Antes que paire alguma dúvida quanto à origem ou à autenticidade desta citação, asseguro que não se trata de nenhuma passagem extraída daqueles infames e-mails de auto-ajuda, protestos, desabafos ou “pensamentos”.
Encaminhados por amigos ou inimigos – dependendo do seu ponto de vista -, o fato é que as tais mensagens passaram a figurar com freqüência impressionante nas caixas de entrada das nossas máquinas, causando alento ou indignação em seus destinatários. O trecho mencionado no parágrafo anterior pertence a “Presque”, um artigo de Luis Fernando Veríssimo (posso provar!), publicado no jornal O GLOBO, na ocasião em que comentava o expressivo contingente de textos aos quais equivocadamente atribui-se sua assinatura.
O leitor pode, a esta altura, questionar a veracidade das minhas fontes; quem garante não ser este apenas mais um engodo, um exemplo auto-referente, e, por isso mesmo, acima de qualquer suspeita, em que um falso Veríssimo falsamente disserta sobre os textos falsos que não escreveu? E o que dizer sobre a eficiência de sua argumentação, publicada num jornal impresso de tiragem limitada, frente às centenas de e-mails que neste exato momento se proliferam à revelia de seus supostos autores?
Tentando sair ileso de polêmica similar, esta semana o Dr. Dráuzio Varella decidiu ir a público desmentir ter escrito “Fale de seus sentimentos, tome decisões e se alimente corretamente”. Mesmo sem prestarmos atenção ao estilo da escrita, o conteúdo por si só trazia princípios bastante questionáveis; imagine Dr. Dráuzio enchendo a boca para dizer que as pessoas dotadas da capacidade de tomar decisões sem hesitar estariam menos sujeitas à incidência de doenças?
Apesar da absoluta falta de fundamento científico, uma breve pesquisa realizada por este blog constatou que “Fale de seus sentimentos…” já acumula mais de uma dezena de entradas em blogues, páginas do myspace, e fotologs. Parece que, longe de serem novidade, as “pulhas virtuais” ainda arrebatam suas presas.
Assim como Veríssimo, Ziraldo, Millôr Fernandes, João Ubaldo Ribeiro e Arnaldo Jabor, entre outros, agora, também, Dr. Dráuzio integra o time dos sonhos dos “ghost writers”. Reparem que há sutileza por parte dos falsários no que se refere à escolha dos nomes: se a inspiração for irônica, o melhor é ir de Veríssimo ou Ziraldo. Se o conteúdo for político, estilo indignado, cabe melhor um Jabor. Agora, se o assunto for saúde, quem melhor do que o “médico-que-aparece-no-Fantástico”? Não consigo alcançar o que motiva tanta gente a criar e espalhar estas mensagens, talvez um estranho desejo de notoriedade a partir do aval raptado de algum famoso, ou então a doentia satisfação decorrente do ato de enganar milhares de pessoas. Francamente…
Há casos em que a brincadeira chega a causar desagradáveis conseqüências aos supostos responsáveis. Foi assim quando a comparação feita entre drogas e duplas sertanejas rendeu a Veríssimo centenas de e-mails desaforados. Pior ainda, segundo o próprio, são as felicitações recebidas daqueles que nunca haviam gostado de nada escrito por ele até então.
O cronista gaúcho diz que chegou a ser convidado para patrono de uma turma por conta de “Quase”, texto que emocionou os alunos a ponto de servir como uma espécie de epígrafe no livro dos formandos. Uma honra, tivesse o texto sido escrito por ele. O fenômeno, que originou situações como esta, já está devidamente registrado na literatura pelas mãos da jornalista Cora Rónai, responsável por uma coletânea de textos apócrifos da internet intitulada “Caiu na Rede”.

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