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23 de jan. de 2012

Luíza, Canadá, jornalismo e crítica

Na última semana, ela figurou por bastante tempo na lista de assuntos mais falados na internet. Depois, foi para a TV - o que alimentou novas aparições na internet. Saiu em jornais e revistas e foi discutida também em emissoras de rádio. Famosa por não ter feito absolutamente nada além de ir para o Canadá, Luíza se tornou um hit após a publicação, na internet, de um comercial da Paraíba. Na propaganda, o pai da garota fala sobre um empreendimento e cita que o sucesso do prédio é tão grande que ele convocou toda a família, menos Luíza, que está no Canadá fazendo um intercâmbio. 

Ainda não viu?


Por motivos que não consigo entender, o vídeo foi bastante compartilhado nas redes sociais e não deu outra: a Rede Globo de televisão contou a "fantástica" história de Luíza em alguns de seus telejornais (sei que a personagem esteve no Bom Dia, Brasil e no Jornal Hoje). 

Na última sexta-feira (20), promovi em meu mural do Facebook uma discussão interessante em torno da postura de internautas e da imprensa brasileira em torno do fenômeno "Luiza, que estava no Canadá". Deixei um recado para que colegas jornalistas se ligassem no que disse o âncora do Jornal do SBT, Carlos Nascimento, a respeito do assunto. 


Alguns amigos meus alimentaram um pequeno debate que considerei interessante ao ponto de reproduzí-lo neste blog. 

Michele Fernanda (radialista em Divinópolis, MG) - "Nos "Video Show" da vida, programas como os de Ana Maria Braga e Sônia Abrão, eu entenderia esse negócio de ter Luíza como pauta. Mas em telejornal? Gente do céu! O mundo esta se "idiotizando". Todos se comportam como adolescentes de 13 anos, sem almejar algo sério, sem se preocupar com o amanhã. Eu sabia que os três pilares do modernismo (Hedonismo, Individualismo e Narcisimo) estavam concretizados, mas não sabia que a alienação e a idiotice fariam parte da modernidade. 

Ricardo Welbert (eu mesmo) - "Exatamente, Michele. Pautas que até pouco tempo só eram trabalhadas por estes programas que citou, estão ganhando espaço nos grandes telejornais das grandes (em tamanho empresarial, não em conteúdo) empresas de comunicação. Percebo que a televisão está com tanto medo da evidente perda de audiência para a internet, que não está vendo outra solução senão transferir para a telinha tudo o que bomba na rede. Quem assistia televisão para consumir jornalismo de qualidade não está encontrando outra solução a não ser migrar para os grandes (em conteúdo) portais de notícias".

Tatiana Santos (radialista em Cláudio, MG) - ""Transferir para a telinha tudo o que bomba na rede". Isso é basicamente o resumo da programação de domingo no SBT. Exibem infinitos "Top 10 da Internet". Poxa! Com tantos programas criativos para exibir...". 

Ricardo Welbert (eu mesmo) - "O pior, Tatiana Santos e Michele Fernanda, é que a população menos escolarizada gosta disso. E como no Brasil ela é maioria, a audiência destes canais ainda se mantém. Mas estamos na era da informação. Nossos filhos nascerão em um mundo onde o conhecimento chega em grandes quantidades, apurando o senso crítico. Acredito que daqui a três gerações, a situação será melhor (ou, caso eu esteja errado, bem pior)".

Tatiana Santos (radialista em Cláudio, MG) - "Sim, Ricardo. Se está no ar é porque tem audiência, infelizmente".

Renato Faria (jornalista e artista plástico em Pitangui, MG) - "Discordo. Tem sempre aqueles que querem achar problema e culpados em tudo e o jornalismo do SBT cumpre bem esse papel. Para vocês jornalistas, a grande repercussão do caso Luíza é legitimamente noticiável por grandes veículos de comunicação por se tratar de um fait diver (fato diverso). Além do mais, foi uma brincadeira inocente, engraçada e de bom gosto. E até onde eu sei, bom humor não é sinal de imbecilidade". 

Ricardo Welbert (eu mesmo) - "Estou aqui mostrando nossa discussão para meu cunhado Wilton Pedro, e ele disse o seguinte: "a Globo criou um espaço nas manhãs de domingo chamado Globo Rural para exibir notícias agrícolas - e não muito raramente toca em assuntos relacionados ao campo em outros programas. Poxa, se tem cinco minutos no Bom Dia Brasil e no Jornal Hoje para essa futilidade ("Luíza que está..."), porque não ocupar esse tempo com prestação de serviços aos agricultores e pecuaristas, por exemplo? Seria imensamente mais útil para estes telespectadores assistir a uma reportagem sobre o desenvolvimento das técnicas de abate ou transporte de carne do que sobre uma menina que ninguém conhece e que eles, na zona rural, nunca viram antes e nem se interessam em saber o que raios ela foi fazer no Canadá".

Tatiana Santos (radialista em Cláudio, MG) - "Humor não é imbecilidade. Mas, até onde eu sei, jornalismo não é humor.

Ricardo Welbert (eu mesmo) - "Sobre o comentário feito por meu cunhado, quando diz que seria melhor se a Globo noticiasse nos telejornais conteúdos mais úteis, penso que, mesmo para esta, que é a maior emissora de TV do país, preencher espaço de tela com os (como bem lembrou a Tatiana Santos) "tops" da internet é mais barato que colocar jornalistas para trabalharem como verdadeiros jornalistas, mostrando a realidade do mundo. Ao invés disso, reproduzem historinhas recortadas da internet. Aliás, o repórter Flávio Fachel (da Globo) em seu "Manual de #telejornalismo", ensina que assuntos já gastos na internet não merecem muita consideração nas pautas para TV. Que coisa, não?

Renato Faria (jornalista e artista plástico em Pitangui, MG) - "Reitero: o caso Luíza é um fato noticiável, e não se trata de uma futilidade ou mera reprodução dos “tops” da internet. A repercussão da brincadeira tomou proporções inéditas e começou a se alastrar a outros espaços midiáticos. Lembremos, aproximadamente 52% dos brasileiros não tem qualquer acesso à internet. Seria realmente estranho se a Rede Globo, ou qualquer veículo de comunicação sério, ignorasse esse fato. Não entendo porque vocês e o Nascimento se irritaram tanto com essa pauta, rs. Eu gostei. Tatiana, o jornalismo em si não é humor, mas também não precisa ser tão sério".

Ricardo Welbert (eu mesmo) - "Concordo que a TV não deve ignorar alguns fatos que repercutem pela internet, mas neste caso este (especificamente), penso (como telespectador e internauta) que a Globo exagerou. Mas, claro, existem as intenções por trás do noticiado. Quem na internet ainda não viu a foto de Luíza com o apresentador do Jornal Hoje? Pode até ser que antes de formular sua opinião, Carlos Nascimento tenha previsto a repercussão que sua fala teria depois de publicada na internet. Sendo que 52% dos brasileiros não acessam a internet, a TV ainda pode se consolidar como um meio de comunicação diferenciado em conteúdo - coisa que, hoje, não tem sido".

Renato Faria (jornalista e artista plástico em Pitangui, MG) - "Quando vocês falam que "o mundo está se idiotizando", ou que "não existe mais jornalismo de qualidade" ou "já fomos mais inteligentes", vocês estão sendo saudosistas radicais! O mundo muda sempre, se adapta e se transforma para atender à novas demandas. Ao contrário do que aparentam acreditar, aos meus olhos a qualidade da TV, ou pelo menos o cuidado com os fatos em telejornais, só tem melhorado!".

Qual a sua opinião?

Deixe seu comentário. Alimente o debate sobre o jornalismo contemporâneo.

5 comentários:

Renato de Faria disse...

Gostei da maneira que vc transformou a discussão em um post! rs.

Ricardo Welbert disse...

Obrigado, Renato! Seja sempre bem-vindo às discussões que promovo aqui, no Facebook, no Orkut ou em qualquer outro lugar. Abraço!

Anônimo disse...

Por motivos que não consigo entender, o vídeo foi bastante compartilhado nas redes sociais(...)


Eu não consegui entender nem o motivo da repercussão do vídeo nas redes sociais, quem dirá nos meios de comunicação tradicional, como Rádio e TV. Sem contar que essa tal Luíza voltar do Canadá não muda nada na nossa vida.

Ok, morri de rir com algumas piadas sobre o assunto. Mas isso não justifica transformar a menina em heroína. Tantas pessoas contribuem para o desenvolvimento cultural da sociedade e não recebem destaque nem no jornal local.

Renato de Faria disse...

Tatiana... Não seja tão durona.

Realmente, o fato de a Luiza estar ou não no canadá não muda diretamente nossas vidas, assim como a extinção dos ursos polares, ataques terroristas em Israel ou a descoberta de planetas fora do sistema solar!

"morri de rir com algumas piadas sobre o assunto"... Pronto! Tá explicado porque o vídeo repercutiu tanto e virou até pauta para jornais. Foi divertido.

E ela não virou heroina... Não exagera! rs.

Abraço.

Ricardo Welbert disse...

Repercurtir nas redes sociais porque é engraçado (ou gerar piadas engraçadas na rede) é uma coisa. Uma emissora do porte da Globo transformar isso em notícia é falta de assunto. E mais: TV Globo só veiculou isso porque, de certa forma, lhes traria (e de fato trouxe) um bom retorno comercial - afinal! A Luíza foi primeiro lá, não na concorrência.

"Tantas pessoas contribuem para o desenvolvimento cultural da sociedade e não recebem destaque nem no jornal local". (Tatiana Santos)

Concordo com você, Tatiana. Essas pessoas não recebem destaque nem nos jornais locais porque até mesmo os jornais locais preferem abrir espaço para o fútil ao invés de produzirem um jornalismo que realmente influencie na vida de seus leitores. Triste é ver emissora de cobertura nacional cobrindo uma menina que não fez nada além de ir pro Canadá.