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11 de jan. de 2019

Crise no jornalismo não é culpa do leitor

Jornalistas apuram informações sobre pedofilia na igreja em cena do filme 'Spotlight: segredos revelados'​
 (Sony Pictures/Divulgação)
O filme "Spotlight: segredos revelados" (EUA, 2015) é mais um daqueles que inspiram jornalistas a saírem do ar-condicionado e ganharem as ruas atrás de informações privilegiadas e que possam resultar em reportagens relevantes e capazes de melhorar a sociedade. O problema é que essa prática (comum nos tempos áureos do jornalismo) já virou ficção em muitas redações.

O filme mostra repórteres do jornal "The Boston Globe" investigando casos de abuso sexual e pedofilia praticados e ocultados por padres, bispos e cardeais católicos. A investigação recebeu o prêmio "Pulitzer de Serviço Público" em 2003. O filme mostra quão difícil foi fazê-la. 


Todo jornalista quer trabalhar em algo grande assim. Hoje, com o a internet, é muito mais fácil investigar. Só que a imensa maioria dos grandes veículos não tem dado essas missões aos seus profissionais. Em vez disso, os colocam para atualizar posts nas mídias sociais - o que até criança faz.

Em meio a tanto Facebook, Twitter, Instagram, Periscope, Buzzfeed, coberturas em tempo real etc., onde está o espaço para a apuração demorada? Fazer uma reportagem que concorra ao Pulitzer não leva o tempo de um tweet. São meses ou talvez até anos de dedicação. Não é instantâneo.

É triste ouvir de chefes de grandes redações (já ouvi de muitos) que os leitores hoje em dia só querem a instantaneidade. Que não se debruçam para ler uma reportagem produzida às custas de muito suor, mas compartilham aos montes as matérias sobre celebridades atravessando a rua. Mas todos são assim? Então hoje só gente burra lê?

É óbvio que os grandes veículos precisam ter quem produza merda em escala industrial, já que existe alta demanda por merda. Mas deveriam também apostar na capacidade dos jornalistas de verdade, que pensam além da famigerada busca por cliques, agindo como se fossem robôs.

A nova geração de leitores não pode ser vista apenas como um bando de idiotas que não se importam se o que leem é fato ou fake. Se não houver o mínimo de bom senso nisso, onde a nova geração será, de fato, educada pela mídia? É preciso investir em conteúdo qualificado.

Pelo fato de os profissionais de comunicação terem hoje várias vertentes de atuação nos meios digitais (e muitos pagam bem, inclusive), as redações jornalísticas têm visto seus melhores funcionários irem embora por livre e espontânea vontade, cansados de exercer funções diferentes daquelas para as quais estudaram por anos. Não fazem por onde mantê-los na linha de combate jornalística.

Ao mesmo tempo em que perdem seus melhores jornalistas para o encanto do marketing digital, as grandes empresas empurram os que ficam (e que possuem rasa capacidade crítica) para a esteira de produção de merda em escala industrial e assim, quem sabe, um dia, vencer a concorrência na base do clique.

A equipe investigativa do "The Boston Globe" era formada por quatro repórteres que podiam ficar por um ano ou mais trabalhando em uma única pauta. Por causa disso, a matéria levou o "Pulitzer". Adaptada para as telonas, ganhou dois Oscars (melhor filme e melhor roteiro original).

O sucesso da reportagem é um tapa nas caras dos diretores de redações que acham que copiar, colar e publicar imediatamente é fazer jornalismo. Não é, nunca foi e nunca será. Nossa profissão é muito mais do que isso (como mostra "Spotlight") e precisa ser valorizada por quem a utiliza e, principalmente, por quem a faz.

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